Os benefícios da Inteligência Artificial (IA) na saúde vocal irão estar no centro das atividades que a GDA – Gestão dos Direitos dos Artistas e a Fundação GDA vão promover no Dia Mundial da Voz de 2024, no próximo dia 16 de abril. Organizados pela Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental, os rastreios da voz gratuitos – dirigidos à comunidade artística e abertos à população – decorrerão nos dias úteis de 12 a 17 de abril na Unidade da Voz do Hospital Egas Moniz. Entre as 9:00 e as 16:00, mediante inscrição prévia no e-mail da Unidade de Voz no caso dos cidadãos, ou no site da Fundação GDA no caso dos artistas (ver link abaixo), será possível verificarem a saúde dos seus aparelhos vocais.
A 16 de abril, Clara Capucho, otorrinolaringologista especializada na voz artística, coordenadora da Unidade de Voz do Hospital Egas Moniz e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, organiza com o Município de Évora e o apoio da Fundação GDA as comemorações do Dia Mundial da Voz no Teatro Garcia de Resende. Será um espetáculo dedicado à Voz Cultural com homenagens aos atores Manuela Maria, Carlos Paulo e Rui Mendes e aos cantores Vitorino e José Cid. Este espetáculo terá início às 21:00 e contará com uma grande diversidade de artistas como Toy, Miguel Gameiro, Vitorino, José Cid, Jorge Batista da Silva, entre muitos outros.
“A Inteligência Artificial vai melhorar muito a saúde vocal de toda a população e também a dos artistas – atores e cantores – que fazem da voz o seu principal instrumento profissional”, afirma Clara Capucho. Segundo a especialista, que há mais de uma década organiza os rastreios da voz, a IA começa a ser um instrumento muito útil para detetar patologias da voz e ajudar a corrigi-las.
“A utilização da IA pelas indústrias médicas está a produzir aplicações que, instaladas num simples telemóvel, vão poder detetar e identificar vírus através da voz: os algoritmos são treinados para detetar desvios na voz de cada indivíduo e emitirem alertas quanto à sua natureza e origem”, afirma Clara Capucho. “Nuns casos, os tratamentos exigirão fármacos ou tratamentos clínicos. Noutros casos, serão precisos exercícios comportamentais de colocação de voz e de terapia da fala: o que é fantástico é que a IA poderá prescrever para cada pessoa, com toda a precisão, quais são exatamente os exercícios que ele deve realizar em cada circunstância em que esta ou aquela patologia se manifestar”.
Ajudar a encontrar o tom natural
Para desenvolver tecnologias que aplique a Inteligência Artificial ao diagnóstico e terapia das doenças da voz, a Unidade de Voz do Hospital Egas Moniz está a trabalhar com o grupo de investigação de robótica e manufatura integrada da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, coordenado por José Barata, professor catedrático do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores. “A utilização da IA por otorrinolaringologistas em unidades clínicas pode alargar a saúde vocal a grupos cada vez maiores da população. Para atores e para cantores, é um instrumento que os pode apoiar na melhoria da sua prestação artística”, afirma José Barata. “A IA pode ajudar qualquer pessoa a encontrar o seu tom natural, e o registo que é confortável para o seu aparelho vocal, diagnosticando eventuais erros de colocação e prescrevendo os exercícios mais adequados à sua anatomia e fisiologia”, afirma Clara Capucho.
No caso da voz profissional, como a aprendizagem pela IA das caraterísticas originais de cada voz é um processo que cada artista pode gerir individualmente, “isso não configurará invasão da privacidade, se forem tomadas as devidas cautelas, nem a utilização abusiva de dados pessoais”, afirma a otorrinolaringologista.
A Inteligência Artificial também coloca ameaças aos atores e cantores, nomeadamente as que decorrem da digitalização da sua voz e da utilização dos algoritmos para substituir o seu trabalho: “É totalmente ilegítimo, seja do ponto de vista dos direitos de propriedade intelectual, seja do ponto de vista clínico, utilizar a tecnologia abusivamente para alterar ou substituir o timbre, a entoação ou as emoções de uma interpretação artística”, afirma Clara Capucho. “O maior risco é o da Inteligência Artificial é poder partilhar de forma indiscriminada a voz de cada artista, a sua impressão digital, utilizando sem o seu consentimento o que devia ser uma marca única da sua individualidade profissional”.
Novos softwares para proteger o uso abusivo da voz
Segundo José Barata, a utilização de uma voz sem consentimento configura uma questão de cibersegurança. “É preciso, por isso, investir no desenvolvimento de softwares que detetem que a voz que está a ser ouvida é sintética, que foi alterada e que não corresponde à prestação artística de ninguém”, afirma o coordenador do grupo de investigação RICS – Robótica e Sistemas Industriais Complexos da Universidade Nova. “Bastará ter esses softwares ativos nos dispositivos audiovisuais para se saber, em cada momento, se as vozes são ‘fake’ ou autênticas”.
As advertências de Clara Capucho correspondem, no essencial, às preocupações que levaram o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu a incluírem o “Direito de Reserva” na Diretiva MUD – Mercado Único Digital. Essa cláusula jurídica corresponde a um mecanismo de exclusão para a exploração comercial de obras que tenham sido objeto de intervenção de qualquer técnica automatizada de análise de dados própria dos algoritmos da Inteligência Artificial. Se esta questão já era pertinente em 2019, quando a Diretiva MUD foi aprovada em Estrasburgo, os recentes saltos qualitativos da IA vieram colocá-la no centro da atividade artística contemporânea.
Esta é uma matéria que a GDA está a acompanhar com a maior atenção e cuidado, não só pelo impacto no mercado de trabalho dos artistas, uma vez que é um fator determinante para a qualidade das suas vidas, mas também pelas profundas questões que levanta no seio do direito de autor e dos direitos conexos”, afirma Luís Sampaio, vice-presidente da GDA. “A defesa da propriedade intelectual, a valorização do trabalho e das carreiras dos artistas são incumbências da GDA, estão no centro da sua missão enquanto entidade de gestão coletiva”.